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Quem sou eu? Ainda não sei. Tô tentando descobrir. SE descobrir, aviso.

domingo, 19 de junho de 2011

saudades do Theo



Faz quatro anos, hoje, que meu pai partiu. Estava com 96 anos. Fraquinho, precisava de ajuda para levantar da cadeira. Uma fratura de fêmur o colocou na cama e, em pouco mais de 20 dias uma pneumonia o levou embora. Sempre quis morrer dormindo. De uma certa forma, foi o que aconteceu, porque quando chegou ao hospital foi logo sedado para a entubação necessária. Mas esse sofrimento não durou muito. Foram só dois dias.
Meu querido Theo partiu como sempre viveu: na mansidão. Era um homem muito inteligente, autodidata, que gostava de uma boa prosa. Educadissimo no trato com os outros, nunca se negou a ajudar quem quer que fosse. A ordem em casa era: se alguém tocar aqui a campainha pedindo ajuda, nunca deixem que saia sem lhe dar uma ajuda. Por isso mesmo, as pessoas gostavam demais dele. Todas que o conheceram, sem exceção, elogiavam o seu trato carinhoso, suas tiradas de humor. Manteve amigos fiéis até o final de seus dias.

Tocava violino, dançava com a minha mãe e comigo, vivia se exercitando. Até o final da vida pedalava todos os dias na velha bicicletinha ergométrica que tinha em casa. Trabalhou até os 80 e poucos anos. Depois da aposentadoria, como perito judicial

Adorava a mãe. Como também adorava a filha única que teve: eu. Dizia para todo mundo que Deus havia lhe dado uma filha só, mas que essa valia por dez. Para essa filha, muito tímida na infância, só deixou boas lembranças: agregava as outras crianças para brincar comigo, comprava vestidinhos bonitos, me enchia de mimos. Nunca me proibiu de fazer o que eu achava que deveria fazer. Confiava em mim.

Pela minha mãe, tinha uma profunda admiração.Menos expansiva que ele, segurou todas as pontas. Eu costumava dizer que, lá em casa, as almas tinham sido trocadas: minha mãe era a alma masculina, e meu pai, a alma feminina.

Tive o privilégio de acompanha-lo até o final dos seus dias e pude comprovar sua dedicação e sua paixão pela minha mãe. Tive a sorte de conseguir traze-los para morarem no mesmo prédio que eu bem, perto também dos netos, antes da partida de minha mãe, quatro anos antes dele. Os vizinhos se encantavam com o casalzinho de idade caminhando de mãos dadas, tomando sol no banco do pátio, ele lendo para ela, quando minha mãe não tinha mais condições de faze-lo. Achei que ele não ia suportar sua ausência. Mas Theo foi corajoso, e seguiu em frente, morando sozinho, até que eu o levei para o meu apartamento, para dar-lhe uma assistência mais de perto.

Seu desapego me surpreendeu: deixou a casa que adorava e veio para perto de mim quando minha mãe não pode mais, por motivos de saúde, subir as escadas do sobrado. Depois, deixou o apartamento que dividiu com ela e mudou-se para o meu. E mais uma vez abriu mão do seu próprio espaço para acompanhar a filha quando ela resolveu cometer a “loucura” de vir morar na desconhecida cidade de Alfenas, sozinha com ele. Nunca reclamou dessas mudanças. Pena que não lhe foi permitido usufruir muito tempo da casinha ensolarada de Minas. Quatro meses depois de nossa chegada, partiu.
 Já estava cansado de viver. Durante nossas conversas na mesa da cozinha, dizia que já tinha cumprido sua missão e feito o que tinha dado para fazer. Perguntava-se se Deus iria deixa-lo chegar aos 100 anos. Não foi essa, entretanto, a vontade DELE. Tive de aceitar. Mas só tenho a agradecer a graça de ter tido um pai que ,até o fim, não me abandonou e me acompanhou quando eu mais precisava de apoio. Foi seu companheirismo que me encorajou a vir tentar a vida num lugar desconhecido em busca de uma velhice mais tranqüila. Pai igual a esse não existe. Obrigada Theo. Que sua alma iluminada brilhe cada vez mais.